quarta-feira, 31 de agosto de 2011

eu pensei em ti, eu pensei em mim, eu pensei em nós



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anoitece e estou quase no final da criação da colagem “mandala para mulheres selvagens”. peço a ele, ótimo dj, que escolha uma música para inaugurá-la em tão especial cenário, nosso campo. ele me oferece uma taça de vinho tinto que coloco sobre a mesa de trabalho no salão aberto para o jardim. a luz da luminária marroquina  mergulha no fundo da taça e desenha estrelas de rubi (ou jatos?) que se refletem entre a miscelânea de materiais esparramados. colagem de luzes. a música não podia ser mais que perfeita. tudo casa em perfeita harmonia e diálogo. fico observando o espelho de aumento no centro, com o rolinho de linha dourada que se movimenta, era isso mesmo o que eu queria, e escolhi, como centro, aquele que reflete e vê a tudo com absoluta clareza, aquele centro a que chamam de self, eu selvagem, eu iluminado, eu divino, aquele que precisa ser desembaçado todos os dias. que a linha que nos costura parta sempre dele, é essa a minha oração. encontro material em baús antigos e recentes (ou melhor, o material me encontra): a amada foto/poster de maureen bisilliat, o corpo indígena mergulhado na lama branca do fundo do lago do xingu, pintado com urucum para ser onça e festejar, o cinto de várias voltas de miçangas turquesa enrolado no chacra swadistana,centro da força feminina, o urucum daqui mesmo, colhido fresquinho ali na horta, alecrim, original curry indiano que um dia ela trouxe de lá com lavanda da provence, pétalas de rosas que ele colheu para mim, uma peludinha folha de sálvia, símbolo antigo de longevidade e que afasta mau-olhado, acácias, plumas, penas de galinhas de angola, franjas de um antigo tapete persa que já rodou o mundo e agora está na cozinha, um rabinho de vison que se soltou de uma estola da minha avó, musgos, filtros de cigarros fumados, pensamentos tragados, uma tampa do envelhecido conhaque francês, presente de pai, tomado só no último inverno, nas noites com temperaturas abaixo de zero, para aquecer a pele e os sentimentos, temperos,  texturas, sólidos aromas, levezas, ânsias, esperas, encontros, tensões, choros, contentamentos. o burburinho de tudo isso em volta do espelho, um pouco e muito mais, em busca do ritmo da construção, em busca do timing ideal, daquele que não precisa nem do medo , nem da coragem, duas faces de uma mesma moeda, porque é, natural como este rio que passa por aqui convicto, que nasce lá no alto das montanhas do parque nacional tombado e flui, bate limpo nas pedras e amacia, desvia cantando, cria rendas de espumas, borbulhas, energia, sejamos assim, amem.
conto para ele o quanto desejei na infância ter um jardim para mim, criança criada em grandes centros urbanos, e hoje temos todo esse espaço imenso de montanhas, mata virgem e outra plantada por nós, uma natural exuberância que sempre me ensina. fico impressionada como, em apenas uma semana que estive fora daqui, árvores que eram puros galhos quando parti, já estão repletas de folhas vivas, grandes, as copas de novo em forma de grandes abóbodas, minhas particulares catedrais, concentração que torna a oração visível. existe uma vida que pulsa num ritmo de construção em que não existe o “pode” ou “não pode”. conto para ele como, aos três anos, na praça do grande centro urbano, mirei uma linda flor, sozinha no meio de um enorme gramado cercado. tinha uma placa em que estava escrito “não pise na grama”, a minha babá avisou e correu atrás de mim, o guarda apitou forte, “volta aqui menina”, mas eu fui, pulei a cerca e colhi aquela flor lá longe do caminho de asfalto. levei bronca da babá, do guarda, fitei-o firme nos olhos e disse: seu guarda, eu escolhi esta flor para levar para a minha mãe que está trabalhando. e ele disse: ”desta vez passa.”  ele comenta que esta historinha real é a minha cara. volto e miro no espelho de aumento com o rolo de linha dourada no centro. o vento bate e os fininhos fios dourados balançam, se enroscam nas pluminhas do campo que colhi neste verão, passeiam entre os filtros de cigarro de cereja e menta sobre o cinzeiro art-nouveau cortado de um livro bichado, presente de um antigo namorado, passeiam sobre a areia grossa do rio que faz do in nos meus pés. marcas de expressão cercam o espelho. observo as minhas. adoro marcas de expressão, no rosto, no chão, nos troncos, na areia, nas folhas e flores, nas pedras. tem ventado muito. gosto de jardim bagunçado, como disse mme d., ao tirar as palavras dos meus pensamentos, aqueles jardins todos certinhos, limpinhos, planejados, mais parecem cemitério, ela completou. rimos. abro uma gaveta, leio o artigo ali escondido e sinto um imenso alívio, é, isso mesmo,alívio, quando ouço o pacifista budista, daisaku ikeda, dizer que disciplina é muito diferente de opressão: ”existe um ritmo que gera dinamismo, harmonia e prazer na vida diária. captar esse ritmo em seu próprio corpo se chama disciplina.” ai, como é bom se cercar de pessoas que compreendem os significados de uma maneira profunda, ampla e realista, distante das estandartizações. agradeço por dentro, mais uma vez, os amigos que tenho, eles tem espírito de procura, sinceridade e desejo de construção. a mandala para mulheres selvagens tem objetivo e muitas donas mas ela não se destina apenas às mulheres mas a todos os homens que buscam esse ritmo em seus próprios corpos, esse ritmo que gera dinamismo, harmonia e prazer na vida diária, que esculpe a força criativa de uma excelente vontade. uma contínua costura.

sábado, 13 de agosto de 2011

vários pesos, várias medidas ou existe uma primavera em pleno inverno



ma chère amie,

pensei muito em ti hoje. envio daqui, multiplicada, a boa energia que nos aproxima e nos faz caminhar e uivar, nesta noite fria de lua cheia no campo. ao pensar em tudo o que andou vivenciando no trabalho, depois de tantos anos de doação criativa, lembrei daquele ditado que diz que “em terra de cego quem tem olho é rei”. tenho constatado o contrário, que “em terra de cego, quem tem olho é escorraçado, apedrejado”. como já te disse, não dá para permitir que a falta de percepção alheia contamine o teu coração, sugue a sua saúde como vampiro vulgar. esses seres frustrados e infelizes se farejam e se unem para perpetrar a ignorância, esse é seu inconsciente (ou consciente) prazer, a intriga, o amor pela discórdia, é disso que se alimentam. a complacência unida ao carreirismo, o corporativismo dos que não enxergam nada, somam por dentro uma série de frustrações que se revelam em condutas que agridem o que é verdadeiramente humano. não faltam a essa gente argumentos enraizados em toda sorte de mentiras. e muito sentimentalismo. para eles, a coragem de ser feliz, capacidade constantemente construída que exige grande investimento e dedicação, agride, eles não aguentam. como diz monsieur coelho “ esta rede invisível do mal pega qualquer informação solta no ar, e a transforma na intriga e na inveja que parasitam a alma humana”. são incapazes de se relacionar frente a frente. regam seus maus sentimentos com dedicado ardor, enclausurados na escuridão, nenhuma voz que não seja a deles mesmos, penetra em seus ouvidos, os cinco sentidos vivem obstruídos. a luz revela o verdadeiro aspecto de tudo. ainda bem que a gente sabe que esses seres são como pequenos demônios que nos empurram para novos lugares, aqueles que tínhamos até esquecido que desejávamos ir e em que merecemos viver. eles não suportam a luz, a luz os agride, na luz eles não existem e é por isso que se unem, para sobreviver no escuro. formam a sociedade ilimitada da ilusão. lá na frente a gente chega até a agradecê-los. mas na hora em que nos deparamos com eles, é chocante a capacidade de distorção que possuem, grotesco, delirante. sim, concordo com mme p., eles não podem interferir nem devem afetar a tua bela jornada.ao contrário, eles te empurram para a tua jornada. a grande frustração que possuem é não conseguir te prender na rede energética deles. ergo agora uma taça de vinho tinto e brindo a tua nova era que se abre antes do tempo previsto. o tempo, o grande mistério, é o que chamo de estar aberto para o imponderável, exercitar a confiança, exatamente por possuir a sinceridade, um tesouro inestimável. vamos encher nossos ventres, mentes e corações de boas sementes, cuidar desse jardim para que ervas daninhas e formigas e outras pragas não o devastem. outro dia falei com a pequena t. , de três anos, que a formiga não era nada trabalhadeira, como falava a canção no programa que ela ama na tv. ela nasceu e vive no campo, vê como a formiga só sabe devastar o trabalho alheio, por onde ela passa a terra fica estéril, improdutiva... mas a tv falou...não adiantou nada a mãe dela confirmar o que eu acabava de dizer. haja saúde nesta era da comunicação! faço a minha parte e confio. não estamos sós, pode ter certeza. cuida-te e muito bem. pausa. percebo que toda vez em que estou sofrendo é por excesso de amor à vida, jamais por negação. você acredita que nunca senti raiva, ódio desses seres, nem pena, sempre achei que sentir pena é colocar-se numa situação superior, são eles que acreditam em hierarquias, eu não, eu acredito em responsabilidades, envolvimento, comprometimento. longe de ser santa. isso sempre foi natural, como é para a lua ficar cheia, me posiciono, frente á frente. você também. o que procuro é canalizar a melancolia e perplexidade que eles provocam em mim em algo criativo, concentro, é um esforço. confesso que já desejei muitas vezes que um big bang os despertasse dessa cegueira profunda, mas concluo que é muita ingenuidade minha, até num big bang o papel deles é manter o caos. ficamos curtindo a lua na mesa com fogo no centro, ouvindo cowboy junkies. pensamos em vocês. sim, faz muito frio, o ar das montanhas purifica e fortalece. deito a cabeça sobre a mesa, vejo a capineira sob um outro ângulo, macio colchão, essa luz da lua mostra o capim todo prateado, me dá vontade de deitar sobre ele, volto para casa. continuo ouvindo walking after midnigth daqui, por trás das janelas fechadas. é o que farei. treino há anos o meu olhar para não perder o rumo nas noites escuras. aqui confirmo que existe uma primavera em pleno inverno. aprecio. não fazemos parte do grupo que torna o possível impossível. não quero mais me colocar no lugar das pessoas e compreender tanto. é um exercício que faço desde pequena, acho que é coisa de filha única e do meu vínculo com as artes cênicas. bobagem negar que todo mundo tem um preço. por isso não julgo. julgar é bem diferente de discernir. lapido o discernimento, reconhecer o que é semente de papoula, o que é estrume. aquela menininha, ao levar uma bronca da mãe que lhe disse:“você tem que se colocar no lugar das pessoas!”, respondeu:” mas se eu me colocar no lugar das pessoas para onde elas irão?” ah, li essa historinha contada por um escritor francês, emmanuel carrère, no jornal de ontem. assim como ele e ela, não quero me colocar no lugar de, coloco-me frente à frente. você já o fez. a gente vai abrindo um caminho que não está exposto, não dá para ver a olhos nus mas que existe, existe. boa noite. durma bem.

bisous



quinta-feira, 11 de agosto de 2011

l'hiver en rose, para quem não desiste de si mesmo (no melhor dos sentidos)


meu ganesha


na entrada do vale do nosso campo tem uma montanha de pedra, sempre a vi em forma de um elefante deitado e atento.vejo a cabeça, os olhos, a tromba e os dentes de marfim. toda vez que passo por ela, chamo-a de meu particular ganesha. amo elefantes. admiro a sua memória. já convivi com um quando pequena, acho que já contei aqui sobre isso. sem memória não existe conquista de dignidade, não existe humanismo, não se conquista paz nem história que mereça ser contada.
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