quarta-feira, 28 de setembro de 2011

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

registro em lilás





final de inverno, dias quentes e amanheceres com fortes geadas,é neste tempo que os kiris florescem. em buquês de sementes, botões, flores abertas, tudo junto um ao outro. só isso já me diz muito. já tem também um farto tapete lilás sobre a grama. as flores atraem sons: acordo e comtemplo da varanda dezenas de beija-flores, seus longos bicos somem entre as pétalas, vão lá no fundo, depois eles descansam sobre os galhos, de seus frenéticos voos, ficam observando, observando. feliz natal, digo de repente pra mim. ih...é...comemoro vários natais durante o ano todo, como nascimentos de uma nova visão, pequenos instantes, o meu eterno exercício de procurar ver tudo como se fosse pela primeira vez.um jeito de confirmar também se eu ainda faria esta escolha.também acho, respondo para mme. muraro,que reli ontem, que o amor, a integração com o meio ambiente, o contato com as próprias emoções é o que há de mais revolucionário contra qualquer tipo de ignorância e opressão. enquanto escrevo, ele ouve stravinsky lá fora. entra em casa admirado mais uma vez com a percepção do compositor, a tradução que fez da revoada de tantos tipos de pássaros numa só sinfonia. não, não quero ir lá fora agora, no salão onde fica o possante aparelho de som. sim, concordo que aqui no nosso campo entramos em maior sintonia com a expressão de stravinsky. também. busco o livro que ganhamos de um amigo, depois que plantamos e ele viu os nossos kiris.um dia eles vieram lá de taiwan, as antigas ilhas formosas, para o brasil. as primeiras mudas dessa árvore aqui chegaram em 1906. sempre agradeço a essa rede de vidas anônimas que expande o que é belo e cria valor. é nessa globalização que confio. a madeira que o kiri produz é resistente, nobre e chique, diz o autor. sejamos assim.
sábado: a lua crescente, quase cheia, sai por trás das montanhas, ele me chama e agora eu vou, ouvir as músicas que ele escolheu para nós. o extasiante diálogo entre o cello de yo yo ma e o bandoneón de nestor marconi,releituras sobre composições de piazzola, me transporta a muitos lugares, tempos,fortes sentimentos. como é possível enfrentar a vida sem arte, contato com a natureza, reflexão, entrega e compromisso? ficamos um tempão em silêncio, só ouvindo. ele comenta que poucos conseguem apreciar assim, em silêncio, enquanto busca a tal música que deseja que eu ouça de novo. lembra pessoas que já estariam falando e falando e falando por cima das músicas... como disse uma prima eslava é preciso muita intimidade, profunda conexão, para ficar em silêncio juntos. ela tinha acabado de chegar de belgrado e encontrava o tio pela primeira vez. depois de toda a emoção desse encontro, meu pai colocou mozart para tocar e sentamos todos, ela, ele, meu marido, nossa filha pequena e eu no sofá de veludo, enorme e macio, de almofadas de penas de ganso, respirando com a música em total silêncio e sintonia. termina o solo de yo yo ma e entramos em casa, improviso um jantar, conversamos um monte, como sempre. ainda à mesa apresentam-se alguns assuntos delicados. enquanto ele expõe seus pontos de vista, penso em adélia prado, na necessária morte do ego para que se realize uma real construção de valor, o diálogo entre o cello e o bandonéon. percebo num dado momento que um meu comentário faz o coração dele estirar como tensa corda,o meu vira bandoneón.calo. não se trata de quem irá provar estar certo, é  um lugar muito além da combinação de notas. tanto a visão dele como a minha podem estar momentaneamente nubladas. é tempo de fazer música quando as palavras se esgotam, tempo de desnudar. o que é traz força.
domingo: o dia amanhece nublado, o lilás das flores de kiri na grama brilha ainda maiselas me chamam a atenção para a beleza de um dia nublado no campo (prefiro dias nublados na cidade).e não aprecio domingos, nunca apreciei. não, não é por causa da segunda-feira. existe uma suspensão nos ares de domingo que me incomoda. pergunto a uma mulher aqui do campo se ela sente esse vácuo também. ela sente. é engraçado porque aqui nada muda, continua sem trânsito nesta estrada de terra, não há restaurantes cheios por perto nem filas nos cinemas que não existem, as crianças brincam ou fazem seus deveres de escola, como sempre, o rio corre do mesmo jeito, as montanhas são as mesmas, o céu imenso. nem ela, nem eu, nem os outros que nos cercam aqui jamais tiveram obrigatoriedades de domingo, como, por exemplo, almoçar com a família, ir à missa,etc e tal. é uma estranha atmosfera. desta vez pequenas e grandes saudades lutam por um lugar dentro de mim, não, não, para que isso agora? mando-as porteira afora.
segundawalt whitman cochicha de novo pra mim: “rodamos e rodamos até voltarmos para casa, nós dois. esvaziamos tudo menos a nossa liberdade e esvaziamos tudo menos a nossa alegria.” recebo a palavra alegria como fidelidade à própria essência. e liberdade a expressão dessa essência. esta noite a lua está de fato cheia. sento sobre a pedra que acumulou sol e choro, olhando para a lua, choro com o mesmo sentimento com que faço xixi. apenas isso. que alívio. sorrio.
terça: fim de tarde, acabo de fazer mais uma colagem quando ela chega com o adulto namorado. mlle j., 16 anos, traz questões vibrantes sobre a angústia que sente, ela pronuncia essa palavra, pedindo desculpas, como se fosse um palavrão. eles dormem aqui, conversamos um monte, tão interessante ter uma amiga tão recém nascida e tão rica. o que é o tempo? e angústia não é a liberdade em vertigem? foi isso mesmo que kierkgaard disse? faz sentido.
quarta: chove, faz frio. eles comentam sobre a beleza dos tapetes lilás que brilham no jardim molhado. sim, providenciaremos algumas mudas para vocês. nos abraçamos evitando a pieguice das despedidas. eles entram no carro e somem na estrada que não levanta mais aquela poeira toda. à noite, monsieur i. fala sobre o absurdo dos políticos, mais uma vez em campanha, que se revezam no poder para nada fazer. e sobre as pessoas comuns que se fecham em corporativismos protecionistas. sacode o filho no colo, por trás do balcão, anda pra lá e pra cá, parece um bom ator em cena. monsieur w. ouve a tudo sentado sobre o banco, comenta com a voz curtida pela enésima cachaça: sorry, san genaro.:) saímos pela estrada escura, chove muito. a poderosa lanterna made in china, encontrada na aldeia de três ruas, perto daqui, guia nossos pés, agora sobre o  imenso tapete lilás from taiwan. “rodamos e rodamos até voltarmos para casa, nós dois. esvaziamos tudo menos a nossa liberdade e esvaziamos tudo menos a nossa alegria.”

terça-feira, 6 de setembro de 2011


pouco antes da nossa scottish terrier partir, shitake, o nosso antigo gato, começou a rondar a nossa casa. ele vivia mais na casa do caseiro do que aqui e nós mais na cidade do que aqui. quando ela partiu, ele pulou no meu colo, fixou os olhos âmbar nos meus, aninhou-se no meu peito. aprecio muito essa comunicação sem palavras. ele tentou entrar e ficar dentro da nossa casa mas eu lhe expliquei que preferia que ele continuasse a viver lá fora, que eu o amava muito mas não substituía amores, cada qual tinha um espaço seu. comecei a alimentá-lo fora de casa e ofereci alguns lugares gostosos e quentinhos pra ele dormir, fora de casa, à escolha dele. ele gostou de todos e varia. passa algumas noites fora daqui.de manhã quando acordo, ele chega de mansinho, mia... sim, eu já te entendi, então pára de miar, digo pra ele. e ele compreende. ele acompanhou todo o processo da última colagem que fiz, como acontecia com a nossa scottish terrier,cenas que ele nunca presenciou. agiu como um guardião, tomando conta da mandala quando eu me afastava. chegou a ficar uma tarde inteira à sombra dela, ele que ama tanto tomar sol. gosto de sentir que a vida assume várias formas que se sustentam, apoiam e relacionam. isso sim faz sentido.
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