sábado, 20 de outubro de 2012

mar vazio

mar vazio - foto de arash karimi

tinha mania, quando criança, de olhar aquele imenso mar que se estendia diante dos amplos janelões de vidro do décimo andar. treinava  o olhar fixo no horizonte do oceano atlântico pra ver se conseguiria enxergar o lado de lá, a áfrica. ou imaginava como seria acordar uma manhã e ver que o mar se retirou, andar em dunas, escalar montanhas de areia e rochas, descobrir novas formas de vida, florestas de esculturas de corais, animais que nunca tinha visto, nem pensava em navios náufragos, pensava no que habitaria aquele fundo que ainda não era visível para os que vivem em terra firme. com o tempo esse olhar foi treinado em outras direções: o que está por trás da palavra, do silêncio, da expressão doce que esconde um coração amargo, do carisma populista que, assim como um folhetim romântico,entorpece massas humanas e promove injustiças, distorções sobre o que é de fato amor, benevolência e cria dicionários de conceitos que, colocados em prática, mais agridem do que protegem a vida . decifrar as contradições humanas, discernir aquelas que enriquecem a vida das que simplesmente são inaceitáveis porque a agridem.a palavra perdão, por exemplo, na prática, só era compreendida pelos que haviam adquirido um coração translúcido. não significava que algoz e vítima sairiam se abraçando por  aí, de mãos dadas. - "não, eu não perdôo, eu só quero justiça", dizia a viúva do operário morto por engano pela repressão, à época da ditadura.  - " não, eu não sinto ódio, vingança e ódio não levam à nada, só o perpetuam e não trazem de volta o passado", dizia aquele menino, que perdera o pai de forma violenta e fora abandonado pela mãe, ao repórter da televisão, do alto de seus poucos anos.
era cansativo ver tamanha manipulação de sentimentos tanto no âmbito da vida pessoal quanto na de um país. transformar qualquer violência vivida em algo que perpetue a dignidade da vida era o caminho da verdadeira justiça. justiça não tem nada a ver com vingança. perdão também não era  " ...e eles viveram juntos, felizes para sempre".se ela tivesse escrito essa novela que parou o país, em seu último capítulo,pensou: ela deixaria no ar que a mocinha que desvendou a hipocrisia da personagem má, usando as mesmas armas que ela, a protagonista malévola usou, seria a próxima a enganar a ingênua família do jogador de futebol. mas isso era folhetim feito para relaxar no final de todos os dias, distrair os que, muitas vezes, viam projetadas na tela de suas salas, vidas mais interessantes do que as suas.
..." perdoar um mal entendido é diferente de perdoar um assassinato, um incesto, uma violência, um tratamento injusto, uma traição, um roubo. dependendo da sua natureza, maus tratos isolados podem às vezes ser perdoados com maior facilidade do que maus tratos repetidos."
"você pode perdoar por enquanto, perdoar até a próxima vez, perdoar mas não dar outra chance - começa tudo de novo se acontecer outro incidente. você pode dar só mais uma chance, dar mais alguma chance, dar muitas chances, dar chances só se...você pode perdoar uma ofensa em parte, pela metade ou totalmente. você decide."

" e como se sabe que perdoou? passa-se a sentir tristeza a respeito da circunstância em vez de raiva.você passa a sentir pena da pessoa em vez de irritação. você passa a não se lembrar de mais nada a dizer a respeito daquilo tudo. você compreende o sofrimento que provocou a ofensa. você prefere se manter fora daquele meio. você não espera nada. não há no seu tornozelo nenhuma armadilha de laço que se estende lá de longe até aqui. você está livre para ir e vir. pode ser que tudo não tenha acabado em "viveram felizes para sempre" mas sem a menor dúvida existe de hoje em diante um novo "era uma vez" à sua espera. " 
(clarissa pinkola estées)
"você prefere se manter fora daquele meio."
"não há no seu tornozelo nenhuma armadilha de laço que se estende lá de longe até aqui."
"a libido é liberada para recriar de um modo totalmente diferente do que antes."
forget (esquecer em inglês) significa não segurar ou não apreender.
forgive (perdoar) = deixar de guardar ressentimento.
active forgiveness (perdão ativo) = a volta do bem no lugar do mal. (clarissa p. estées)
não há paz possível sem justiça.
no mar vazio, ela via como tudo isso era muito confundido ainda. até quando?

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