domingo, 9 de junho de 2013

leitura/absorção/atitude

'mãe lendo ' quadro de lee l. kaula (1865-1957)

foto de kirsty mitchell

foto de simonetta ivancevic

hmmm...e sempre agradeço o, digamos assim,  bom karma, o dos meus pais amarem ler bons livros, literatura que faz diferença pra alma (lembrando sempre que a palavra karma deriva do sânscrito, e quer dizer, simplesmente, ação).eu me lembro que à mesa, bem pequena,além dos assuntos e problemas cotidianos, eles sempre comentavam, com muito sabor, os livros que estavam lendo. era um mundo de curiosidade e visões que se abria para mim através da fala deles. quando minha mãe tirava férias, além dos amigos que ela amava encontrar e estar com, ela vivia colada num livro, e eu via que ela sentia taaanto prazer que me contagiava. meu pai me disse, quando entrei na adolescência, que mesmo que uma pessoa fosse milionária, herdeira de uma grande fortuna, que nunca precisasse trabalhar na vida, que pudesse só viajar e conhecer o mundo todo e muitas pessoas, jamais seria tão rica como poderia ser através da boa leitura, conhecer de fato a vida e os seres humanos profundamente. para que? para ter qualidade de vida e responder à realidade com atitudes elevadas e sábias.percebi, através do exemplo deles, que isso era verdade. assim que aprendi a ler, ganhei de presente alguns livros de capa dura e grandes: "as mais belas histórias do mundo". era uma seleção de várias culturas, as mais belas histórias do paquistão, da índia e outras...filha única, lia sozinha no meu quarto. amava ler essas histórias nas noites em que o vento uivava na janela. eu me transportava para várias culturas e admirava a visão que entrava pelo meu quarto. só com a luz do abajur acesa, o livro e eu. hoje, vendo esse quadro desse pintor que eu nunca tinha visto,o americano lee l. kaula, que ele chamou de
 ' mãe lendo', me lembrei da minha filha e sua amiga indo pro quarto dormir, elas duas nem sabiam ler ainda, e deitavam na cama aqui em casa e abriam livros infantis e 'liam' muito uma para a outra, inventavam histórias imensas e se transportavam para um mundo muito divertido. 
a leitura estimula todos os sentidos e a imaginação. e fica tudo ali guardado num disquete interior e, quando a vida alegra ou aperta, lá vem tudo o que se absorveu. mas isso não acontece com todo mundo. mistérios.... conheci há poucos anos,uma mulher madura, formada em várias faculdades, segundo ela, que lê rápido e, percebi que ela não absorve nada de nada, na prática. percebi que nenhuma boa leitura afeta suas atitudes, continua, como diagnosticou um senhor vivido, "padecendo de agudo egocentrismo". conheci também pessoas, poucas, que vivem em tamanha comunhão com a natureza, que apesar de nunca terem lido livros, é como se tivessem lido  'o livro sobre tudo que se poderia saber sobre a vida e os seres humanos', tem uma sabedoria adquirida só de observar a natureza e a vida dos homens.conheço também uma mulher madura, nível universitário, que não lê e nunca leu, fora os deveres de escola e faculdade, absolutamente nada.na casa dela tem pouquíssimos livros que ela ganhou de presente ( na última vez em que a visitei contei dois, intactos sobre uma mesinha na sala). ela só lê  fofocas sobre a vida dos outros nessas revistas que vivem disso, sobre isso ela sabe tudo. percebo que se tornou uma pessoa amarga, cheia de saudades do que não conseguiu viver.assim que chega do trabalho, liga a tv no quarto e bota no programa 'desligar' só para depois que ela já adormeceu. sério,verdade! ah, que bobagem eu dizer 'sério, verdade!' quando é isso o que o vigente amor pelo poder alimenta  e alimenta...manter a maioria na ignorância, longe da capacidade de escolher leitura.
quando meus pais morreram, herdei muitos livros. coleções que eu já tinha lido, como os autores que ganharam prêmio nobel, doei para uma escola que ficou pensando e pensando se aceitava...problemas de espaço (....) até aceitar meus argumentos para que aplicasse minha doação. outros romances, em italiano, doei para o consulado da itália no rio de janeiro. eu nem tinha onde guardar tantos livros.um dia recebi um telefonema do consulado italiano , agradecendo a doação. a voz macia que falava comigo em português, com forte sotaque da itália do norte, me contou que a minha doação acabou indo para vários lugares do brasil, e que eu não tinha idéia a alegria que tinha proporcionado a imigrantes , na maioria idosos.agora, estou me preparando pra ler balzac, a comédia humana, acho que chegou o tempo de abrir essa  coleção que herdei e guardei comigo. não me considero nada intelectual,aliás tenho horror a discussões estéreis que só buscam mostrar o acúmulo de conhecimento inútil, inacessível aos chamados leigos no assunto.o que percebo é que meus pais estimularam meu consciente e inconsciente para que, através da boa leitura, minha memória preserve o trigo e faça um bom pão. amém.

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