quarta-feira, 14 de outubro de 2009

tio buda

meu tio buda não era esguio, ao contrário, era baixinho e roliço, tinha o charme do jo.adorava ir a sua casa em buenos aires. a sua mulher era uma das pessoas de alma mais elegante que eu já conheci.eles tinham um quarto enorme, com lareira, janelas imensas à altura das copas das árvores e muitos metros de portas de armário forradas de espelhos.às vezes ela deixava e eu, pequenininha, abria todas as portas, dançava sozinha durante horas e me multiplicava em mil reflexos. ele era muito boêmio, adorava bons vinhos, música, boa comida.desde pequena ele amava me ouvir cantar.aos quatro, cinco anos, eu tinha um repertório internacional e às vezes acontecia de eu estar sentada perto dele na cabeceira da mesa, já bisando algumas canções depois do jantar, e no final ele colocava uma taça de cristal na pontinha da mesa e com um dedo fazia ela rodopiar no ar e se espatifar no chão em mil pedaços, para demonstrar seu contentamento.ele sempre me tratou como uma estrela, me enchia de presentes marcantes. quando completei quinze anos ele pediu pra minha tia me acompanhar ao centro e encomendar um casaco de pele adequado a minha idade.quando voltei ao brasil e desci do avião, toda de branco e preto, me achando a adulta com aquela gola de vison branca, pipocaram flashes sobre mim. mais tarde ele acabou revelando pra mim um outro lado,nada bom, que acabou dividindo quase toda a família. eu disse quase.passaram os anos, ele morreu, minha tia veio ao brasil,quis me ver e, muito emocionada, pediu desculpas.eu a abracei, só falei através do meu abraço e partimos dali em diante, sem olhar para trás. hoje, absolutamente tudo é mais que lembrança, tudo serviu para comprovar a vitória da verdade que promove humanidade.lembrei dele esta semana porque comprei algumas figurinhas inglesas para minhas colagens. voltou à minha mente a cena de meus seis primos, filhos de um outro tio, e eu,todos nós pequenos, indo à papelaria em frente a casa do tio buda. a papelaria importava figuritas que nós colecionávamos.ele deixava que atravessássemos a avenida libertador em busca desses pequenos tesouros que vinham cheios de purpurinas.e lá íamos nós, segurando firme as mãos uns dos outros, correspondendo à confiança que ele depositara em nós. voltávamos pra casa e ficávamos catalogando las figuritas por temas,bebês, casais, princesas, flores.
fica o resultado do que é inesquecível nas memórias que constroem o meu presente,da reação diante do belo e do feio, ao som do grupo de ciganos que ele contratava para tocar e cantar,num calculado momento da madrugada, nas festas espetaculares que ele organizava na casa. e hoje eu canto: gracias a la vida que me ha dado tanto... así yo distingo dicha de quebranto,los dos materiales que forman mi canto,y el canto de ustedes que es el mismo canto,y el canto de todos que es mi propio canto, gracias a la vida que me ha dado tanto,me dió dos luceros que cuando los abro, perfecto distingo lo negro del blanco.

2 comentários:

maria cecilia disse...

Hola Simonetta, me alegra escuchar tu canto, el canto de nuestra Violeta Parra y su Gracias a la Vida... qué canción más bella... y que contraste que se haya suicidado poco tiempo después de escribirla!!
Me alegra la vida visitar tu blog, es tan versátil y encantadoramente positivo!!
te dejo un abrazo
María Cecilia, de Chile

Passarinha disse...

Que coisa linda...me senti fora do país, dentro de vc, dentro demim e de famílias, e gente, e cores...que coisa linda...tantas imagens, tanto lúdico, tanta vida...movimento!

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