segunda-feira, 25 de maio de 2009

na estrada. história 1: destination



mulher. idade indefinida (46 ou 7?). alta, magra,insípida e incolor. a voz sempre macia e no mesmo volume. só se alterava quando alguém dela discordava (dificilmente isso acontecia pois ela não dava espaço).quando isso acontecia (alguns poucos viram) seus olhos cuspiam rajadas de metralhadora,todos os músculos de sua seca face se contraiam.não tinha filhos. casada. não tinha a liberdade nem de escolher em sua própria casa o lugar em que algo (que ela não apreciava) iria ficar.ela já sabia que somos o que escolhemos. mas ela não fazia escolhas.durante o dia trabalhava numa repartição pública..não era o que ela gostava mas tinha medo. tinha medo de tudo: de perder o emprego, do marido ser transferido para outro estado e ela ter que ir junto por falta de opção. então estudava para prestar um novo concurso, pensava no salário, para que um dia, quem sabe, se o medo se apresentasse, ela estaria protegida por algo que ela também não queria.ela acreditava que acreditava na paz.e acreditava que era uma mulher engajada e emancipada.mas tinha medo, muito medo.criava regras e ditados e frases inteiras que só ela escutava e mais algumas que, como ela, devotavam a vida à submissão.todas movidas a medo. entrelaçadas com a repressão como forma de conter. conter a mente nublada, o coração esvaziado,a humanidade abandonada e controlar suas longas pernas que um dia até chegaram a dançar. parou. parou com tudo o que ela um dia gostou. corria noite e dia levando e trazendo papéis.e a voz quase sempre macia.os olhos vazados.as palavras que saiam de sua boca nunca lhe pertenciam.havia sempre um descompasso entre o que falava e o que sentia.ela já tivera a chance de vislumbrar o que é a vida de fato vivida, mas não... para ela cada dia era mais um papel a ser carimbado, um formulário a ser preenchido, uma firma a ser reconhecida.só olhava para fora e corria esbaforida. achava que qualquer pensamento que não fosse o dela era uma grave ameaça, ser justo era ser imparcial, não se comprometer, calar, deixar passar.por isso a voz dela insistia em sair macia.muitos que percebiam o que por trás dessa voz estranhamente macia se escondia estavam cansados de tanta falação vazia, tanta omissão, tanta mentira, tanta distorção que a sua postura engrossava.a voz macia já não camuflava mais o que ela escondia.a mãe dela passou mal. ela pegou um ônibus numa noite fria e voltou para sua terra natal.ficou só no seu apartamento o cachorrinho doente latindo tanto e tão alto e tão agudo que ninguém mais naquele prédio dormia.pegou na mão da mãe já inconsciente e chorou, gritou.primeiro baixinho, depois alto e muito alto enfim.todos correram para acudi-la.quem estava naquele bairro dormindo acordou.ela já não sabia mais o que estava fazendo ali.o celular tocou. era o marido avisando que havia sido transferido para um lugar que ninguém conhecia. ela desligou.


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