quinta-feira, 17 de junho de 2010

refugiados

"...lembro de uma história que a minha amiga deborah, me contou certa vez. durante os anos 80, a cidade de filadélfia perguntou-lhe se ela poderia ser voluntária para ministrar aconselhamento psicológico a um grupo de refugiados do cambodja - os chamados boat people - recém-chegados à cidade. deborah é uma psicóloga excepcional mas ficou terrivelmente intimidada com essa tarefa. aqueles cambodjanos haviam sofrido o pior que os outros seres humanos são capazes de infligir a outros sere humanos - genocídio, estupro, tortura,fome,assassinato de parentes diante de seus olhos, tudo isso seguido por longos anos em campo de refugiados e perigos, viagens de navio para o ocidente, durante as quais as pessoas morriam e cadáveres eram lançados aos tubarões -, então, que tipo de ajuda deborah poderia oferecer a essas pessoas? como era possivel para ela entender a extensão do seu sofrimento?
- mas você sabe sobre o que essa gente toda queria falar quando conseguia encontrar psicólogo? - perguntou deborah.
era só: conheci um cara, quando estava morando no campo de refugiados, e a gente se apaixonou. achei que ele me amasse de verdade, mas depois a gente foi separado em navios diferentes e ele ficou com a minha prima. agora está casado com ela, mas diz que me ama de verdade, e fica me ligando o tempo todo, e sei que deveria dizer para ele ir embora, mas ainda o amo e não consigo parar de pensar nele. e eu não sei o que fazer...
quando ela leu esse trecho no livro comer,rezar,amar, de elizabeth gilbert, ela riu e pensou em todos os refugiados de si mesmos, autores, co-autores do caos afetivo, do caos político, do caos econômico, do caos que começava no buraco negro de cada um e criava aquela cadeia de mentiras/justificativas que entorpece a consciência e afasta a possibilidade de construção.pensou naquele que, agora,está jogando fumacê no sentimento real, aquele que circula de vidro cada vez mais fumê (ele manda escurecer a película para não ter que enxergar e reagir às próprias neuras). a cara dele essa imagem...fumê e fumacê - até parece nome de dupla caipira urbana. ele até reconhece que tem um dublê dele mesmo. os refugiados (de si mesmo) são hábeis em gerar e provocar pena e culpa, construir vácuos.

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails