terça-feira, 8 de junho de 2010

viramundo


lá, na varanda do último andar,o olhar dela segue a linha sinuosa do alto das montanhas ainda virgens e intactas. lembra da cultura milenar chinesa: montanhas próximas umas às outras, símbolo de quietude concentrada, sabedoria que observa o tempo, a vida que se desenrola a seus pés.cadê as montanhas? pergunta uma mulher na calçada? olha, estão ali, entre os prédios, espere um pouco, os meninos ali estão cheirando, espere eles passarem. eles cheiram e saem correndo, rindo, saltitantes. o carro pára, o carona abre a janela e começa a negociar com o travesti de seios fartos,a bunda escapa do vestido de tiras de lycra,os saltos muito altos engrossam as já muito acentuadas panturrilhas. ela reconhece ao volante o marido daquela, que fala que a paz começa na família - a miniatura da sociedade.passa o gringo de mãos dadas com a moça morena com cara de pobre da periferia. o porteiro, sósia do presidente do irã, coça o saco na noite fria, apaga o cigarro, esfrega as mãos e retorna para aquela que um dia já foi uma elegante portaria.moço, toma aqui mais uma latinha, ela diz pro catador com aspecto de professor universitário.o negro mais jovem fala, quase sem respirar, com o mais velho sobre dialética,a necessidade de se ter uma filosofia para aplicar na relação do dia a dia, para saber que momento histórico é este,aumenta o tom de voz enquanto vai e faz flexões nas barras sobre a areia, para que o amigo no banco acompanhe seus pensamentos eletrizantes. destila kierkgaard, cita kant com tanta fluência e intimidade, uma palestra sobre o saber em plena calçada. a outra volta correndo pela pista, senta no  mesmo banco e, suada, é tomada pela enxurrada de palavras entusiasmadas.ai, como sou ignorante, já estudei tudo isso, não me lembro de nada... não fale assim, ela diz, também não seria capaz de repetir um pensamento sequer de kant, mas compreendo tudo o que ele fala por trás das palavras, e isso é o que importa, compreensão em ação, concorda? vamos caminhar na areia? caminham, ela ouve sobre o cara que encheu a amiga de euteamoeuteamoeuteamo, você é a mulher da minha vida,  para depois simplesmente sumir.a amiga descobriu todas as mentiras que ele inventava , não só para ela, mas para todo mundo, o que ele buscava mesmo era mais, em espécie ou cheque.ela não conhece esse cara+que-clichê mas descobre que é o mesmo que arrancou um cheque do seu amigo-coração-ingênuo que o conheceu numa reunião sobre pacifismo.olha que lindo, elas dizem juntas ao passar por chamas de velas em círculo, parece uma instalação...é um despacho...não fica olhando...ela vira a cabeça enquanto seu corpo avança na areia.

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