sábado, 18 de agosto de 2012

coração ouvinte

pintura tântrica feita por devotos anônimos do rajasthan - séc. 17
publicada no livro "tantra song" pela editora siglio press.
impressionante como esses desenhos são tão contemporâneos...

"os ouvidos são tão janelas da alma quanto os olhos,acho que até são mais, muito mais, são portas.enquanto o jantar se fazia no fogo,fui direto à estante e peguei aquele livro que eu amo, da diane ackerman,a história natural dos sentidos, e fui direto ao capítulo sobre audição: "o coração ouvinte".diz assim:
em árabe, não ser capaz de ouvir significa absurdo.surdus em latim vem do árabe fadr asamm = raiz surda, que, por sua vez, é tradução do grego alogos,"sem fala" ou "irracional".aqui , a autora deixa claro que não está falando sobre deficiente auditivo, é claro.hmm...já ía terminando por aqui e me lembrei da clarissa pinkola estées: a história falada toca no nervo auditivo, que atravessa a base do crânio até chegar ao bulbo do cérebro logo abaixo da ponte de varólio.ali, os impulsos auditivos são transmitidos para cima, para o consciente, ou, segundo dizem, para a alma...dependendo da atitude de quem ouve.as palavras, escritas ou faladas,tem poder, depende de quem as lê e/ou ouve."

publiquei ontem no fb esta  reflexão que já publiquei aqui, e, hoje, um amigo publicou no mural dele este texto de rubem alves, " escutatória",que compartilho aqui com vocês.exatamente isso, rubem alves. 
(os destaques no texto dele são meus.)
"Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória..
Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir.
Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular.

Escutar é complicado e sutil.
Diz Alberto Caeiro que... não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas.
Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.
Parafraseio o Alberto Caeiro:
Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito.
É preciso também que haja silêncio dentro da alma.

Daí a dificuldade:
A gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor...
Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer.
Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração...
E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade.
No fundo, somos os mais bonitos...
Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64.
Contou-me de sua experiência com os índios: Reunidos os participantes, ninguém fala.
Há um longo, longo silêncio.
Vejam a semelhança...
Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio...
Abrindo vazios de silêncio... Expulsando todas as idéias estranhas.
Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala.
Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio.
Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos...
Pensamentos que ele julgava essenciais..
São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou.
Se eu falar logo a seguir... São duas as possibilidades.
Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza.
Na verdade, não ouvi o que você falou.
Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala.
Falo como se você não tivesse falado.
Segunda: Ouvi o que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo.
É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.
Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.
O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.
E, assim vai a reunião.
Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos.
E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.
Eu comecei a ouvir.
Fernando Pessoa conhecia a experiência...
E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras... No lugar onde não há palavras.

A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa.
No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos.
Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia...
Que de tão linda nos faz chorar.
Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio.
Daí a importância de saber ouvir os outros: A beleza mora lá também.
Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto."





Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails