sexta-feira, 29 de janeiro de 2010


há uma outra história-emblema, outra história metáfora que eu adoro.

é um relato de marguerite yourcenar intitulado: “como wang-fô se salvou” e está inspirado numa antiga lenda chinesa.

o pintor wang-fô e seu discípulo ling perambulavam pelos caminhos do reino han.
o velho mestre era um artista excepcional; tinha ensinado ling a ver a autêntica realidade, a beleza do mundo. porque toda arte é a busca dessa beleza capaz de engrandecer a condição humana.
certo dia wang e ling chegaram à cidade imperial e foram detidos pelos guardas, que os conduziram até o imperador. o imperador era jovem e belo, mas estava tomado por uma cólera fria. explicou a wang-fô que havia passado sua infância encerrado no palácio e que, durante dez anos, só conhecera a realidade externa por meio dos quadros do pintor. “aos 16 anos vi se abrirem as portas que me separavam do mundo;subi no terraço do palácio para olhar as nuvens, mas elas eram menos belas que as dos seus crepúsculos.... você me mentiu, wang-fô, velho impostor: o mundo não passa de um monte de manchas confusas, lançadas ao vazio por um pintor insensato, sempre apagadas por nossas lágrimas. O reino de han não é o mais belo dos reinos e eu não sou o imperador. o único império onde vale a pena reinar é aquele onde você penetra.”
por esse desengano, por essa amarga descoberta de um universo que, sem ajuda da arte e da beleza, parece caótico e insensato, o imperador decidiu tirar os olhos e cortar as mãos de wang-fô. quando ouviu a condenação, o fiel ling tentou defender seu mestre, mas foi interceptado pelos guardas e degolado na hora. quanto a wang-fô, o imperador ordenou que, antes de cegado e mutilado, ele terminasse um quadro seu inacabado que havia no palácio. trouxeram a pintura para o salão do trono: era uma bela paisagem da época da juventude do artista.


o velho mestre pegou os pincéis e começou a retocar o lago que aparecia em primeiro plano. e o pavimento de jade do salão começou logo a ficar úmido. agora o mestre desenhava uma barca, e à distância ouvia-se um bater de remos. na barca vinha ling, perfeitamente vivo e com a cabeça bem grudada no pescoço. a sala do trono estava cheia de água,as tranças dos cortesãos submersos ondulavam na superfície como serpentes, e a cabeça pálida do imperador flutuava como um lótus. ling chegou á beira da pintura; soltou os remos, cumprimentou seu mestre e o ajudou a subir na embarcação. e ambos de afastaram docemente, desaparecendo para sempre naquele mar de jade azul que wang-fô acabava de inventar.

do livro a louca da casa - de rosa montero

Um comentário:

maría cecilia disse...

Querida, me es dificil leerte, sorry, no tengo mucho tiempo ahora... la foto es maravillosa y por ahì vi que lees a Marquerite Yourcenar... wow!! un tanto difìcil para mi.
Te visito nuevamente en Marzo, ahora nos vamos de vaciones a un maravilloso lago, Caburga, al sur de Chile.
Te dejo un abrazo de hipopòtamo.
Maria Cecilia

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