meu pai invadiu o meu coração

esta foto foi o meu pai que tirou. eu estava com 14 anos. hoje lá se vão 14 anos que o meu pai foi embora.esta semana voltando a pé pela Jardim Botânico, reparei num monte de arbustos de jasmins do cabo em flor.assim que ele foi embora e voltei pro campo, os pés de jasmim do cabo que ele plantou em volta da casa estavam tão tão floridos, os galhos pendiam com tantas flores que senti a vida dele se manifestar ali também.minha filha era pequena, fazia bijoux de miçangas pra vender na escola e durante um ano economizou e me deu de presente de aniverário o CD A Paz, do Gilberto Gil, que virou a trilha pra me despedir do meu pai. ele ficou muito emocionado com o gesto dela, quis lhe dar o dinheiro do CD sem que ninguém soubesse mas ela não aceitou.quando ele se foi o sol se punha por um lado e a lua cheia nascia do outro. uma revoada de pássaros rodopiou cantando.um mês depois eu e minha filha estavamos na praia fazendo um coração enorme de areia e conchinhas em homenagem a ele e de novo o sol se punha enquanto a lua cheia nascia e três gaivotas dançavam sobre as ondas.ele me ensinou muitas coisas.foi a primeira pessoa a me ensinar a controlar a minha mente em vez de ser devorada por ela.faziamos trilhas na natureza,eu era mínima e ele me ensinava a andar descalça sem reclamar sobre pedregulhos e areia quente, a amar e respeitar o mar. certa vez, bem pequenininha,voltavamos de uma aventura no mar e eu segurava nas mãos fechadas um monte de sementes de tâmara e ele perguntou porque eu estava com as mãos tão fechadas. eu disse que esperava que voltassemos pra jogar no lixo as sementes, pra não poluir nem a praia nem o mar. ele riu e me ensinou que as sementes eu podia jogar e que um dia eu iria voltar e ver altas palmeiras nesse lugar. fiquei encantada.nas últimas décadas de sua vida, ele ganhou dois apelidos dos amigos: Embaixador da Paz (por sua capacidade de dialogar e encontrar soluções para conflitos - sua casa era sempre cheia de jovens) e São Francisco de Assis - por seu amor e respeito a natureza.certa vez pescando só no Pantanal uma sucuri entrou dentro da lancha pequena. era noite ainda e o barco tremeu e quase virou. ele me contou que fez de tudo pra salvar a sucuri que deveria estar mais assustada do que ele, já que era ele que tinha invadido o espaço dela. e com o remo e uma lanterna conseguiu devolvê-la ao rio.assim era o meu pai.ele é muito presente em minha vida.foi uma relação muito muito linda,uma riqueza.obrigada, pai!