domingo, 23 de maio de 2010
avançadas
sábado de manhã. chego na varanda do ap do meu amigo e observo o movimento na rua em copacabana.vejo mais uma série de mulheres super estilosas andando em sua super avançada idade.adoro! fico, mais uma vez,impressionada com a quantidade delas em copa.sempre atarefadas, carregando sacolas de super, chamando um taxi,cheias de vida e compromissos.há meses estava na fila de um super, desses de preço imbativel,esperando a minha vez pra pagar os vinhos que tinha escolhido pra levar pra casa de uns amigos.a fila andava lentamente.eu estava com a minha máquina na bolsa mas fiquei meio constrangida de tirar uma foto, sem autorização, de uma linda senhora antiga, na fila ao lado. fiquei completamente fascinada com ela, que aparentava ter passado há muito dos oitenta.alta,não era magrinha nem gordinha,os ombros já se encurvavam um pouco à frente.vestia umas calças pretas cigarette, com os tornozelos à mostra, sapatilhas ballerina pretas e uma túnica estampada oriental, de bom gosto, que cobria os quadris. na mão esquerda segurava uma bolsa-carteira de flores multicoloridas e finamente rebordadas com canutilhos. os cabelos muito negros(pareciam pintados com henna) presos num coque super bufante. a pele muito branca, com rugas delicadas e marcas de expressão muito bem preservadas.o rosto dela parecia uma máscara oriental com a altivez de uma maitresse du ballet do bolshoi.a fila não se mexia, as pessoas começavam a reclamar que o caixa era rápido,destinado a quem trazia poucos volumes, enquanto alguns ignoravam esse fato. eu me deliciava em pensar na casa dessa linda e antiga senhora, na sua estética, no seu guarda-roupa, no ritual noturno de passar os cremes para manter aquela pele tão alva como a de uma gueixa, as gavetas da cômoda antiga cheias de bijoux e histórias pra contar. ou não.ela poderia ser uma senhora que se servia de muita imaginação para enfrentar sua atual solidão.vi neste sábado várias passarem na calçada sob este sol lindo de maio, cada uma com uma assinatura muito particular e todas muito vivas.uma de blazer branco e camiseta de listas , bolsa enorme, andar trôpego, seios e barriguinha fartos,ía entrar no taxi e mudou de idéia, escolheu outro.
meu olhar abraçava do alto do nono andar todas essas mulheres, quando passou uma borboletinha amarela voando toda descabelada e decidida..deu um flash back na minha mente e me vi aos quatro, cinco anos, observando o movimento nas calçadas da varanda do prédio dos meus pais.minha mãe me levava ao teatro todos os fins de semana. e, um dia, intrigada com tanta gente pra lá e pra cá nas ruas, imaginando para onde íam e o que pensavam, perguntei pra minha mãe quem era o diretor desse espetáculo.não me lembro o que ela respondeu.mas me lembro bem que foi a minha mãe que despertou em mim esse respeito por pessoas de idade muito avançada.ela tinha, em sua confecção, uma bordadeira italiana linda que morava só numa pensão. todos os domingos de manhã íamos visitá-la, levar docinhos, flores, livros. ela tinha uma filha única que se casara com um milionário e abandonara a mãe.quando eu e minha chegavamos ou íamos embora ela nos abraçava com os olhos hiper azuis, cheios de doçura e umidade.teve também uma outra (sobre a qual minha mãe já ouvira falar na itália). ela tinha sido amante de um empresário muito conhecido e era famosa por seu corpo escultural de bronze. por que bronze? ela costumava tomar sol nua em alto mar para ficar inteiramente dourada, sem nenhuma marca de biquini.quando mudou para o brasil, veio atrás da filha única que se casara com um empresário riquissimo de minas gerais.só que ela não quis saber da mãe... e a minha mãe a empregou e cuidou dela anos e anos.
neste sábado, observando da varanda,o tempo que avança,senti mais uma vez um respeito imenso por essas pessoas a quem chamo de antigas. não,essas que eu tenho visto não são velhas, são antigas.velhas são aquelas pessoas que, mesmo jovens, não esão abertas para viver nada. antigas são as pessoas que, como preciosidades em antiquários, são cheias de detalhes, vivências, alegrias,restauros invisíveis,passagens por lugares felizes e tristes,e em que tudo brilha, tem presença.é claro que existem os velhos,como os móveis baratos e frágeis de um brechó pobre e decadente, que passaram uma vida inteira só para acumularem poeira, lamentações e mau humor.toda vez que vejo um velho ou jovem assim, me pergunto: como pode, chegou a essa idade e não aprendeu nada, nadinha, só sabe reagir com mau humor? se for muito jovem, penso assim: nem começou a viver e já tem esse mau humor todo?
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