terça-feira, 16 de novembro de 2010

o brechó de mme r.











a casa de mme r. é um brechó. objetos e móveis de família, de todas as suas viagens, de todo o seu amor à arte e encontros. poeira é passageira.a casa ainda está em obras. ela viaja, fala com propriedade sobre astrologia, fisioterapia,arquitetura do corpo, mostra fotos suas com a angel vianna, sua amada mestre, e sai de si quando abre a geladeira e descobre que acabou a água gelada. a planta cabisbaixa aguarda sobre a penteadeira ser transplantada para o vaso que já foi comprado.o piano na sala espera mme r. aprender a tocá-lo.ela acaba de repicar os longos cabelos negros. sobre a mesa um pote com uma coleção de hashis que usou desde sempre para prendê-los.uma pequena coleção de bules românticos hospedam-se ao lado do pensador de rodin.ela nunca sabe onde deixou as chaves, o cigarro e o isqueiro.reclama porque jogaram a pilha de fósforos queimados que acumulou entre dois potes na bancada perto do fogão. os copos de cristal aguardam nas caixas o fim da reforma.só agora aparece em sua face madura o ancestral avô chinês materno.uma pequena coleção de fotos mostra a evolução da sua expressão através do tempo.a máscara de seda feita como borboleta, pintada a mão, saiu do caos de pilhas e pilhas de azulejos antigos e pousou próxima às mulheres de klimt.ela anda morrendo de saudades de londres.de lá, o amigo vidente liga e faz previsões.o espelho pintado à mão, cheio de botões, trocado num bazar amigo por um colete de pele adquirido em londres aguarda sua vez de ir pra parede.no chão da cozinha integrada à sala, as espadas de são jorge continuam embrulhadas em jornal no chão. mme r. caminha de um cômodo a outro como se estivesse em alta velocidade na via dutra. atende ao telefone e fica sabendo que encontraram, no hospital, um vudu na mesa do consultório de uma doutora amiga.comentamos sobre a energia distorcida. a editora acaba de entregar dois volumes de mais uma tradução que ela fez de um autor considerado atualmente um dos maiores astrólogos do planeta.ela explica, concordando,porque a ciência só reconhece hoje a influência do sol e da lua sobre a vida na terra e discorre sobre a sinastria do seu mapa e de um antigo amado.ela coloca na minha bolsa dois cintos de placas de metal, retrô, que achei lindos e agora tilintam como sininhos.o filho avisa que já chegou de barcelona. e assim nos despedimos, entre um gole de vinho e outro,vênus e escorpião,mais um pedaço do bolo de café, receita da mãe judia da amiga,o velho lhe deu bons conselhos,depois que a peça em que faz direção de corpo,movimento e voz estrear, ela conta, alguém toca a campainha, ah, ele já perdeu a dor na primeira seção, ela vibra e reclama do moço que veio e não consertou o mal contato, abre a porta sorridente, ah, os óculos, estão aqui, silêncio.

Um comentário:

A Menina Sem Século disse...

demais,
e que brechó!
liçoes de vida permeadas com objetos autenticos e se bobear autonomos...cheio de vida pra contar.
saudade bateu na minha porta e veio aqui te dar um beijo e um suspiro doce. doce como o bolo de mme r.

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